Filha de peixe sempre aprende a nadar

Com um fim-de-semana à vista sem nenhum plano em especial, eu e o John, como portuguesa e inglês que somos,  decidimos uma vez mais disfrutar desta nova e curiosa característica de estar a tão poucas horas de viagem rodoviária de múltiplos países. Com dois dias no bolso para gozar, agendámos então viagem até Dresden e pedimos a chave de casa ao antigo companheiro de quarto do John, que dali é natural.

A cidade foi bombardeada no fim da Segunda Guerra Mundial pelos aliados e, actualmente, através de fundos da UNESCO, está a ser lentamente recuperada. E o resultado começa a ser fenomenal! Não é uma localidade particularmente grande mas é definitvamente encantadora. Foi curioso ver a catedral recentemente recuperada com as pedras ainda muito claras, já que habitualmente vemos este tipo de monumentos alguns séculos após a sua construção e já bem mais degradados.

E entretanto percebi que, ao fim de tantos anos a ser arrastada de obra em obra pelo papá engenheiro civil, começo a encontrar uma certa beleza num espaço bem arquitectado, num pilar especialmente discreto, numa viga harmonicamente enquadrada. Em conclusão: de Dresden trago muitas fotografias de... TERRAPLANAGENS! Enfim, vidas.



















A catedral: após ser bombardeada, em 1945, e actualmente, depois dos trabalhos de reconstrução.

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Uma viagem que meteu muita água

O meu grande amigo Rudolfo sabe que pode contar com várias coisas na vida: a gata (Es)Puma, que gosta de passear e afiar as unhas no tapete do vizinho da frente; os amigos que nunca se coibem de gozar longos serões na sua sala a pretexto de jogos a Feijões; e um inexorável azar com aviões. Talvez isso explique a sua reacção imediata após o cancelamento do voo de Lisboa para Frankfurt à custa da aborrecedora nuvem de cinzas vulcâncias: sentar-se ao computador em busca de alternativas para a viagem Lisboa-Praga no dia seguinte.

[NOTA: a última frase reporta a versão oficial do que sucedeu. Embora seja um facto que o voo tenha sido cancelado, é também verdade que o Rudolfo acordou demasiado tarde, com o telemóvel meio esbofeteado algures no chão do quarto. O resultado seria o mesmo.]

 

Veio então passar 9 dias ao leste da Europa. Foi uma visita pacífica, com passeios nada apressados pelos parques e simpáticos bairrinhos que contornam o castelo, passagens pouco turísiticas pelos mais populares locais da cidade, uma simpática tarde em Karlovy Vary, um breve suspiro de resignação ao concluir que o Bairro Judeu estava encerrado por ocasião dos feriados religiosos, e longas horas na estação ferroviária central porque caprichávamos em ir a Cracóvia. Numa sinopse dos eventos, o bilhete era excessivamente caro, desistimos, e 24 horas volvidas descobrimos que havia uma alternativa em conta e lá partimos, acompanhados do John, que ansiava mudar de ares.

Decidimos consagrar o dia da chegada à visita do castelo, com a sua super atafulhada catedral, exposição de armas e paços reais. Confesso que íamos adormecendo durante uma visita guiada que se debruçava exaustivamente sobre as tapeçarias destas salas... Naquele tempo (ui, que bíblico!) gostavam definitivamente de tapetes gigantes pendurados pelas paredes abaixo. Os meus pais também gostam muito de tapetes - até fizeram um nos seus tempos de juventude - mas isso são estórias para outras núpcias.

Ficámos num hostel tão acolhedor que "optámos" por não jantar e dormir das 20h às 8h do dia seguinte. Após um sumptuoso pequeno-almoço fomos levados até ao antigo campo de concentração de Auschwitz, cuja visita ultrapassa largamente a perspectiva que os livros de História nos dão. Sem dúvida é um local que, embora não seja particularmente agradável, é fulcral visitar. Infelizmente não nos foi possível ver o campo de Birkenau, as câmaras de gás e o pavilhão da execução. E depois do almoço foi a vez de visitarmos as minas de sal. Que sítio fantástico! Parece toda uma cidade escavada debaixo do solo, incluindo uma igreja consagrada à padroeira Santa Kinga, que é de deixar cair o queixo.

 
Pequena pausa na narrativa para falar de meteorologia: não parou de chover durante todo o tempo que estivemos na Polónia. Chovia um pouco menos, chovia ainda mais, as calças estavam ensopadas até meio da perna ou até ao joelho, mas ainda assim sempre molhadas, e devo dizer que não é fácil tirar fotografias debaixo de um chapéu-de-chuva, pelo que o sightseing ficou bastante comprometido. E fomos evacuados de Auschwitz em plena visita, de salientar.

Por último, as viagens: muito longas e gélidas, com inquietas horas de sono em posições pouco anatómicas e a pele colada à napa dos assentos. No regresso o comboio teve de regressar a Cracóvia após uma hora de viagem porque a linha estava inundada, e por isso seguimos um caminho alternativo. E em ambas as viagens passámos inexplicáveis horas numa localidade checa fronteiriça, que foram a inspiração para os relatos desesperados do John (fumador em privação), compilados sob o título 'The tales of Bohumín'.

Foi um verdadeiro alívio chegar a Praga, com um atraso de 6 horas. E, estranhamente, a língua checa começa realmente a ser familiar... Até já nem o polaco era ilegível, têm francas parecenças! Estava uma vez mais de regresso a casa. E era tempo de dizer adeus ao Dr Rudolfo. Sniff sniff.

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Boas vis(i)tas

Tem sido um período de estudo e de visitas. Todavia, por difícil que tenha sido conciliar ambas as vertentes, tem valido mesmo a pena. Tive a sorte de ter um excelente estágio de Oftalmologia, com um professor que sabe imenso e jamais se recusa a explicar e uma interna simplesmente apaixonada pela especialidade que escolheu. Gostei como nunca pensei gostar, fiquei a saber que tenho uma acuidade visual de 100%, e aparentemente até tenho algum jeito para lidar com aquela parafernália toda. E sabe tão bem regressar a casa para ver caras e sorrisos familiares...


As primeiras visitas foram os priminhos João e Filipa. A relação que temos uns com os outros sempre teve o dom de ultrapassar os muitos quilómetros que em tempos nos separavam em Portugal e, actualmente, é um porto de abrigo quando parece que tudo o resto falha. Costuma dizer-se que os amigos são a família que se escolhe, mas, se até a família pudesse escolher, claramente faria muito pior selecção porque é difícil acertar tantas vezes no centro do alvo.




A impressão que por cá ficou foi que eles são, respectivamente, a minha versão masculina e igualmente feminina mas menos agressiva. E novamente o verdadeiro calor português foi espalhado pelas caves onde esta gente insiste em instalar os bares, pelos restaurantes checos onde o pedido de pato assado é semelhante ao de sopa de batata, e pelas exposições de apontadores de Torah que abundam no Bairro Judeu. Claro que aqueles dois não se foram embora sem deixar a sua peculiar assinatura: post-its com apontamentos "sábios" acerca do sentido da vida colados em todas as coordenadas da metade do meu pequeno quartinho.


Uma semana depois recebi o Cascão durante 48 horas. Posso garantir que todos os minutos foram esprimidinhos, mas a cidade ficou toda vista! Confesso que tinha guardado quase todos os museus ou exposições para ver com ele, por isso foi interessante visitar o Bairro Judeu pela primeira vez e regressar ao Castelo após quase 3 anos. Foram dois dias de sorte: não choveu, esteve uma temperatura quase tropical e apanhámos o último dia em que as mais importantes partes do Castelo estavam abertas antes de encerrar durante um ano para trabalhos de recuperação. E no fim daquela visita ainda tivemos a oportunidade de gozar uma feirinha de vinhos na encosta, onde desgustámos umas quantas provas deitados na relva, com Praga espraiando-se aos nossos pés.

Não é sem uma certa nostalgia que escrevo estes parágrafos. Foram dias inesquecíveis! E quando os momentos por cá se revelarem mais difíceis posso sempre evocar as memórias com um sorriso na cara. Ou então reler uns certos e determinados post-its.

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Survivor - vol. 2

Talvez faça sentido começar por falar do 'Survivor - vol 1'. Há já vários anos que no verão participo em campos de férias, primeiramente enquanto miudinha de boné enterrado até às orelhas e pungentes escaldões, e, mais recentemente, como monitora de crianças notoriamente mais espertas ou com melhor protector solar. Quem participa nestes chamados Campinácios (ou Campiparvos, por amor ao movimento) sabe que durante 2 semanas vai ser continuamente abraçado, embalado e importunado pela Natureza. Mas ainda assim há limites. De tal forma que, após 40 de um total de 60 pessoas terem ameaçado expelir as entranhas, decidimos considerar-nos sobreviventes à Salmy (nome fofinho que demos à Salmonella que connosco partilhava a água do rio).

Fluídos biológicos e nosologias bacteriológicas à parte, admito que quando alinhei num fim-de-semana de actividades radicais os meus padrões eram, de forma subconsciente, bastante elevados. Comecei por adorar o lago em forma de crescente do parque de campismo onde tudo teve lugar, os bungalows e o pequeno restaurante onde jantámos. E depois alguém introduziu um tal de 'Face Game' e o meu cérebro sentiu que tinha de usar boné outra vez. Felizmente, aquela foi a única actividade onde tivémos de correr com um propósito idiota, que consistia em encontrar as respostas dos organizadores a perguntas tais como: «What's the naked man?», «What's love?» e «What did you get for Christmas?». Começo a sentir que o nome do jogo tinha algo a ver com a nossa expressão aparvalhada.


Foi um fim-de-semana de novas amizades, muitos portugueses (novidade!), passeios de gaivota e barco a remos no lago, enigmas lançados por um velho sábio, arrepios de unhas cravadas no arnês enquanto o chão parecia balouçar 3 metros abaixo, uma caça ao tesouro ao bom velho estilo do Fort Boyard, coloridas marcas de guerra nos ténis à conta de entusiasmados confrontos de paintball, cerveja a preço de uva mijona, refeições típicas checas, licor peixe-cobra-escorpião doce altamente mortífero e convívios autênticos em torno de uma fogueira ao ar livre.


E lá pelo meio tive de resgatar uma chave de um boião cheio dos tão afamados "monelhos de cavelo", andei a correr feita cãozinho louco dentro de uma bola de plástico insuflável gigante que se assim se movia à superfície do lago e, por último, provei pequenas minhocas fritas, que foram a coisa menos confeccionada que alguma vez comi na República Checa (onde, cada vez que cozinham, parece que há um acidente em que a prateleira das especiarias cai dentro da panela).


O saldo final do 'Survival Weekend' envolve muitas gargalhadas, picadas de mosquitos, um ligeiro escaldão (afinal o boné...), apenas uma entorse (alheia) e nenhuma ocorrência de salmonelose. Ufa.

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Uma mão cheia de dias e (re)encontros

Neste fim-de-semana teve lugar o X Hipócrates - festival de tunas mistas organizado pela Tuna Médica de Lisboa. Como tal, eu não poderia ter estado noutro lado senão lá. Portanto na 5ª feira peguei nos meus 16,5 kg de bagagem (em grande parte roupa jamais usada nestas 7 semanas) e dei início ao roteiro LIS-PRG-LIS.

Não é simples chegar ao terminal 2 de Ruzyně a partir de Hostivař, mas desta vez foi inclusivamente doloroso. Comecei por achar muito divertido observar os senhores polícias e os aparatosos snipers todos alinhadinhos nos acessos ao aeroporto, mas quando caí espalhafatosamente com a minha volumosa Samsonite por cima das 3 malas do gigolo italiano que viajava ao meu lado no autocarro passei a mostrar os dentes num esgar de dor e de vergonha. A nossa marcha tinha sido abruptamente interrompida por uma barreira policial. E, após 20 minutos de desesperada espera, passaram então as dezenas de veículos das comitivas do Sr Obama e do Sr Medvedev, saudámos o Air Force One ao longe na pista e eventualmente cada um foi à sua vidinha.

Chegar a Portugal foi semelhante a entrar numa sitcom. O sol era radioso e as cores garridas, tinha a sensação de que os anúncios falavam comigo (porque conseguia compreender todas as palavras) e as conversas que ouvia à minha volta pareciam extraídas de uma palco de revista. O nosso dramatismo intrínseco contrasta tanto com a seriedade própria dos eslavos... A alegria dos comentários malandros, a revolta das perguntas insistidas, a necessidade imperiosa de discutir tudo o que escapa ao paradigma de cada um, e a vontade de viver cada momento da forma mais completa possível - acho que tenho um pouco de tudo isto na intensidade que muita gente me aponta.

Seguiram-se cinco dias de peixe fresco, bom azeite, café expresso a valer, taxistas a fazerem das suas, noites quentes, convívios familiares impagáveis, imperiais bem tiradas e, claro, tunas! Que saudades do orgulho de envergar o traje académico, de interpretar o nosso património musical, dos convívios sinceros e alegres, das anedotas de rir à gargalhada e dos amigos que não via há tempo demais. Valeu tanto a pena! E ainda assim tenho pena das conversas que não puderam ser mais longas e de não ter o dom da omnipresença, para poder em simultâneo participar no Encontro Nacional dos Campinácios (campos de férias de Verão). Mas sei que correu muito bem!

E depois houve a viagem de regresso, com contornos muito lusitanos: um engarrafamento substancial na 2ª Circular, o sistema informático que demorou 15 minutos a atribuir-me um lugar, o senhor segurança que inventou uma garrafa de água na minha mochila onde só havia livros, um bebé a berrar e a passar de mão em mão durante a viagem toda e uma senhora que decidiu vir espetar o seu rabo de tamanho 48 (e acredite-se que eu sei destas coisas - há muitos anos que vejo o meu próprio variar entre o 36 e o 42) na minha cara enquanto eu tentava saborear o meu empadão de carne e, de seguida, a mousse de chocolate.

Por fim, sinto-me outra vez em casa, tudo isto é agora muito mais familiar do que estranho. E venho feliz, de coração quentinho, com uns abençoados 2 kg de bacalhau e um poster do grande X Hipócrates para colar na parede. Até ver, Portugal!

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Um pequeno pontapé nos rins

Após um completíssimo estágio de Neurologia e um fascinante embora curto curso de Medicina Legal, com autópsias a valer, confesso que guardava algum receio em relação ao estágio de Nefrologia. Por várias razões: porque não me fascina, porque aparentemente o professor é muito pouco simpático e porque é rigorosamente do outro lado da cidade.

Assim sendo, e começando as aulas às 8h, às 6h50 estava a sair da residência e uma volvida hora entrava no Motol, um dos maiores hospitais da Europa. Durante 10 minutos procurei o auditório cuja descrição tinha encontrado no website da faculdade. Não resultou. Depois perguntei a funcionários, médicos e estudantes, dirigi-me à secretaria da faculdade e à secretaria do hospital, consultei o plano de orientação das quatro torres do maldito hospital, e, após ter calcorreado mais ou menos os 6 andares e 4 caves de cada uma das ditas torres, conclui que a localização do serviço de Nefrologia é um dos segredos mais bem guardados do hospital. Eram então 10h.

Por outro lado, sei que o Motol tem um total de 3 supermercados e 5 cafetarias, muitas caves estranhas e húmidas onde habitam bolas de cotão do tamanho de texugos, um permanente cheiro a caril e sopa de cebola, e suponho que não me vou perder a caminho do estágio de Ortopedia e de Gastroenterologia porque passei em frente às respectivas enfermarias incontáveis vezes. Mas não sei como contornar o problema deste estágio. Enfim, em Erasmus sê Erasmus, por isso «logo se vê» é a frase com que tranquilizo a minha mente.

E ainda assim não posso deixar de perguntar-me como é possível que no serviço de hemodiálise ninguém saiba onde ficam as instalações de Nefrologia...

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The quest for the Holy Hans

Com o aproximar do fim-de-semana da Páscoa as pessoas começaram velozmente a debandar de Hostivař rumo aos seus países de origem, deixando para trás um verdadeiro deserto e comida a apodrecer no frigorífico. Perante este cenário, decidi aceitar a proposta do John e ir pedir directamente contas a esse tal de Hans que ainda não se tinha atravessado no meu caminho (há que salientar que ainda não tinha conhecido nenhum austríaco). Para além de que Budapeste não tinha sido fenomenal enquanto excursãozinha e havia portanto que vingar o meu entusiasmo turístico.

Lá fomos nós para Viena. Ah, Viena. Pela terceira vez tenho a certeza de que adoro aquela cidade e aquele país. E, embora fosse um destino "repetido", ainda foram algumas as aventuras e desventuras. Tomámos muitas refeições no restaurante Centimeter, que vendia petiscos e cerveja a metro, servia umas peculiares espetadas enfiadas num longo sabre e empregava cozinheiros aficionados do acto de fritar todo o tipo de alimentos. No parque de diversões de Prater (uma versão sofisticada da antiga Feira Popular de LIsboa) o John investiu 25€ no arremesso de 25 bolas para derrubar uma inocente pirâmide de 6 latas enquanto eu roía pacificamente 1€ em deliciosas pipocas. Na manhã seguinte foi a minha vez de esbanjar 4,5€ na visita do velho consultório do Prof. Dr. Sigmund Freud, onde praticamente apenas existe a tabuleta com o seu nome, um livro com algumas fotografias com a decoração orginal do gabinete e ainda um falo em terracota. Indubitavelmente simplista, numa inflacionadíssima relação preço/qualidade. E no palácio de Schönbrunn o John tirou muitas fotografias com a sua máquina super hiper megazord, enquanto eu visitei a feirinha de Páscoa, terminei o meu livro e lhe tirei muitas fotografias com o meu chaveco de máquina, simplesmente porque eu e as abelhinhas já tínhamos tido tempo de pôr toda a conversa em dia.

E lá viemos nós de Viena, atribuladamente. Tivemos alguma dificuldade em encontrar o autocarro porque (1) ele chegou atrasado e (2) a paragem fica num beco não assinalado de todo. Mudámos de autocarro em Brno (outra cidade checa), onde passámos a nossa escala de 4 horas enfiados num restaurante de kebab manhoso que era o único estabelecimento respeitável aberto até às 3h, e, após termos sido rejeitados em 3 autocarros porque misteriosamente não constávamos da lista de passageiros, finalmente adormecemos atordoados pelo complicado enredo de um filme pseudo-erótico checo, que envolvia mulheres nada curvilíneas semi-despidas, muitos gansos e um senhor badocha fantasiado de anjo a emergir de uma piscina. Senti falta da mestria do Sr Kusturika.

À chegada, por entre as remelas da noite mal dormida num assento rijo, cruzei-me ainda com uma curiosa publicidade a sofás reclináveis. Resultaria em Portugal?





                                                                  (O John e o seu amor)

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A peste vai a Peste e arma-se em Buda pelo caminho

Este fim-de-semana foi passado em Budapeste. Gostei de regressar àquela capital, de revisitar os principais locais turísticos, de comer bem pagando pouco (embora dar cerca de 2000 "dinheiros" por refeição seja, à partida, um pouco assustador e tipo Monopólio) e de conviver com algumas das minhas mais recentes amizades: a Núria (de Mallorca), o John (de Londres) e o Andrea (da Sardenha).

Aconteceu um fenómeno interessante com todos nós: passámos o tempo a comparar aquela cidade com a nossa adorada Praga, que concordámos ser mais bonita e encantadora. Mas gastámos horas a tirar fotografias e a maravilhar-nos com o Parlamento, o castelo, os vastos parques, etc. As duas noites também foram engraçadas: jantámos juntos, em constante galhofa, e depois fomos sair para o Instant - um disco-pub que consegue conjugar elementos da Fábrica do Braço de Prata e ainda ter um toque próprio de loucura. Consiste num pequeno prédio com pátio interior cujos apartamentos não têm portas e estão convertidos num grande espaço de iluminação feérica, com um dos melhores ambientes que alguma vez encontrei numa saída à noite. E por fim íamos passar a noite a casa da Valéria, a húngara do nosso corredor de Hostivař que gentilmente nos cedeu o seu apartamento. Curiosamente a mãe dela estava também por lá e não encontrava nenhum obstáculo a entrar no quarto enquanto dormíamos ou nos vestíamos. E tudo isto sem pronunciar uma palavra em inglês, apenas em húngaro, e muitas. Que stress!


Ainda assim foram dias difíceis, houve muitos conflitos interiores e exteriores para gerir. Assumo que a certa altura foi difícil lidar com obsessões pelo dinheiro gasto, locais a visitar e caminhos a seguir, com barreiras linguísticas gigantes sempre atravessadas no caminho. Foi incrivelmente difícil passar TRÊS dias sem dizer uma palavra em português! E, da mesma forma, sentia que ninguém se aproximava culturalmente da minha forma de ver e de sentir as coisas, o que levou a algumas frustrações. Mas enfim, o que não nos mata só nos faz mais fortes.


E ao fim de uma viagem de 8 horas que envolveu alguns problemas eléctricos do autocarro, foi muito confortável chegar a Praga e sentir que a língua já não é assim tão estranha e que, ao fim ao cabo, estava em casa outra vez. O que me leva a questionar-me como será chegar a Portugal daqui a duas semanas.

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Corruptelas

Nem acredito que já passou cerca de um mês desde que cheguei, e estranhamente parece que tudo e nada mudou. Por um lado, já me sinto realmente a viver em Praga, já tenho os meus sítios predilectos, as minhas refeições preferidas, o supermercado mais acessível e com melhores produtos, e as minhas rotinas, que, no entanto, estão sempre a mudar ligeiramente porque estou constantemente a mudar de local de estágio. E por outro, na verdade, sinto-me igual a mim mesma, sem grandes diferenças, para melhor ou para pior.

Mas as coisas vão evoluindo. É curioso sentir que está ultrapassada a fase das conversas superficiais das 5 perguntas: «What's your name?», «Where are you from?», «How old are you?», «What do you study?» e «Where are you living?». Finalmente chega a altura de aprofundar os relacionamentos, de aprender o que nos aproxima e afasta e de crescer um pouco mais. Tenho tido algumas surpresas deliciosas e também algumas desilusões, mas suponho que seja o resultado expectável de quem lê as nossas reacções sem verdadeiramente compreender o seu contexto ou sem nos conhecer de todo e colar na nossa testa um qualquer preconceito.


E penso que também já está vencida a etapa de comparar a forma de dizer os mais variados impropérios nas diferentes línguas. Aparentemente a frase «conduzi o meu carro por debaixo de uma fasquia e entrei numa estrada cheia de curvas» faz búlgaros chegar às lágrimas de tanto rir. Que parvoíce! Por outro lado, e à conta de a nossa língua ser tão diferente do checo, descobri que estudar em cafés é uma tarefa muito tranquila, já que a minha atenção não é dispersa por conversas alheias. Ainda assim, raramente há uma ou outra palavra que lembra o português e lá se vai fugazmente um bocadinho da concentração.


Por fim, algo que começo a ter - e bastante -  é esse sentimento tão português: saudade. Tenho saudades das pessoas, dos convívios, das guitarradas, da imperial fresquinha sempre a sair, de verdadeiramente conseguir compreender quando é que alguém está a injuriar-me e de uma bica a sério. Não deixa de ser curiosa a forma como o nosso cérebro lida com este sentimento. Pessoalmente comecei a encontrar pequenas corruptelas, umas mais engraçadas do que outras, de palavras portuguesas e do que mais me faz falta... Até que finalmente encontrei, num supermercado, a indicação de um produto em PORTUGUÊS!! Ah, bendito Calvo - «Atum posta em azeite vegetal»...


[Nota: o vinho é produzido e engarrafado na Eslováquia.]





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Portugal português

Há uns bons aninhos a TVI transmitia aos domingos, após o telejornal da tarde, um programa etnográfico chamado 'Portugal português'. Sempre lhe tive um ódio medonho porque sinalizava o fim do fim-de-semana e me lembrava que a procrastinação daqueles diazinhos mágicos tinha então um ponto final e havia que estudar ou fazer os trabalhos de casa. Muitas vezes tive vontade de esganar o galo de Barcelos rodopiante que aparecia no genérico. Tantos filmes de domingo à tarde que ficaram por ver...

Anos volvidos e o ódio aos domingos prevalece, embora já não tome a forma de um programa televisivo. São aqueles dias enganadores e inúteis, em que não apetece fazer nada porque na verdade há que deitar cedo visto que o dia seguinte é outra vez dia útil. Aqui na residência o espírito é muito peculiar. Damos por nós todos remelosos, em verdadeiros andrajos ou de pijama, com olheiras até aos joelhos, com desespero tatuado na cara e sem nada de construtivo para dizer.


É nestes dias que gosto de ascender ao 8º andar para jantar com os meus conterrâneos Mário, Vítor e João. São três estudantes de Geografia em Coimbra e são praticamente as únicas pessoas com quem falo em português aqui na República Checa. Os domingos são salvos pelo arroz à valenciana, pela carbonara, pelos bifinhos com cogumelos e arroz, pelo cachecol de Portugal pendurado sobre a janela e pela troca da ocasional "caralhada". (Desculpa, mãezinha!)


Não há nada como o nosso bom Portugal português, c*r*lh*! (DESCULPA MÃEZINHA!)

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