Corruptelas

Nem acredito que já passou cerca de um mês desde que cheguei, e estranhamente parece que tudo e nada mudou. Por um lado, já me sinto realmente a viver em Praga, já tenho os meus sítios predilectos, as minhas refeições preferidas, o supermercado mais acessível e com melhores produtos, e as minhas rotinas, que, no entanto, estão sempre a mudar ligeiramente porque estou constantemente a mudar de local de estágio. E por outro, na verdade, sinto-me igual a mim mesma, sem grandes diferenças, para melhor ou para pior.

Mas as coisas vão evoluindo. É curioso sentir que está ultrapassada a fase das conversas superficiais das 5 perguntas: «What's your name?», «Where are you from?», «How old are you?», «What do you study?» e «Where are you living?». Finalmente chega a altura de aprofundar os relacionamentos, de aprender o que nos aproxima e afasta e de crescer um pouco mais. Tenho tido algumas surpresas deliciosas e também algumas desilusões, mas suponho que seja o resultado expectável de quem lê as nossas reacções sem verdadeiramente compreender o seu contexto ou sem nos conhecer de todo e colar na nossa testa um qualquer preconceito.


E penso que também já está vencida a etapa de comparar a forma de dizer os mais variados impropérios nas diferentes línguas. Aparentemente a frase «conduzi o meu carro por debaixo de uma fasquia e entrei numa estrada cheia de curvas» faz búlgaros chegar às lágrimas de tanto rir. Que parvoíce! Por outro lado, e à conta de a nossa língua ser tão diferente do checo, descobri que estudar em cafés é uma tarefa muito tranquila, já que a minha atenção não é dispersa por conversas alheias. Ainda assim, raramente há uma ou outra palavra que lembra o português e lá se vai fugazmente um bocadinho da concentração.


Por fim, algo que começo a ter - e bastante -  é esse sentimento tão português: saudade. Tenho saudades das pessoas, dos convívios, das guitarradas, da imperial fresquinha sempre a sair, de verdadeiramente conseguir compreender quando é que alguém está a injuriar-me e de uma bica a sério. Não deixa de ser curiosa a forma como o nosso cérebro lida com este sentimento. Pessoalmente comecei a encontrar pequenas corruptelas, umas mais engraçadas do que outras, de palavras portuguesas e do que mais me faz falta... Até que finalmente encontrei, num supermercado, a indicação de um produto em PORTUGUÊS!! Ah, bendito Calvo - «Atum posta em azeite vegetal»...


[Nota: o vinho é produzido e engarrafado na Eslováquia.]





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