Uma viagem que meteu muita água

O meu grande amigo Rudolfo sabe que pode contar com várias coisas na vida: a gata (Es)Puma, que gosta de passear e afiar as unhas no tapete do vizinho da frente; os amigos que nunca se coibem de gozar longos serões na sua sala a pretexto de jogos a Feijões; e um inexorável azar com aviões. Talvez isso explique a sua reacção imediata após o cancelamento do voo de Lisboa para Frankfurt à custa da aborrecedora nuvem de cinzas vulcâncias: sentar-se ao computador em busca de alternativas para a viagem Lisboa-Praga no dia seguinte.

[NOTA: a última frase reporta a versão oficial do que sucedeu. Embora seja um facto que o voo tenha sido cancelado, é também verdade que o Rudolfo acordou demasiado tarde, com o telemóvel meio esbofeteado algures no chão do quarto. O resultado seria o mesmo.]

 

Veio então passar 9 dias ao leste da Europa. Foi uma visita pacífica, com passeios nada apressados pelos parques e simpáticos bairrinhos que contornam o castelo, passagens pouco turísiticas pelos mais populares locais da cidade, uma simpática tarde em Karlovy Vary, um breve suspiro de resignação ao concluir que o Bairro Judeu estava encerrado por ocasião dos feriados religiosos, e longas horas na estação ferroviária central porque caprichávamos em ir a Cracóvia. Numa sinopse dos eventos, o bilhete era excessivamente caro, desistimos, e 24 horas volvidas descobrimos que havia uma alternativa em conta e lá partimos, acompanhados do John, que ansiava mudar de ares.

Decidimos consagrar o dia da chegada à visita do castelo, com a sua super atafulhada catedral, exposição de armas e paços reais. Confesso que íamos adormecendo durante uma visita guiada que se debruçava exaustivamente sobre as tapeçarias destas salas... Naquele tempo (ui, que bíblico!) gostavam definitivamente de tapetes gigantes pendurados pelas paredes abaixo. Os meus pais também gostam muito de tapetes - até fizeram um nos seus tempos de juventude - mas isso são estórias para outras núpcias.

Ficámos num hostel tão acolhedor que "optámos" por não jantar e dormir das 20h às 8h do dia seguinte. Após um sumptuoso pequeno-almoço fomos levados até ao antigo campo de concentração de Auschwitz, cuja visita ultrapassa largamente a perspectiva que os livros de História nos dão. Sem dúvida é um local que, embora não seja particularmente agradável, é fulcral visitar. Infelizmente não nos foi possível ver o campo de Birkenau, as câmaras de gás e o pavilhão da execução. E depois do almoço foi a vez de visitarmos as minas de sal. Que sítio fantástico! Parece toda uma cidade escavada debaixo do solo, incluindo uma igreja consagrada à padroeira Santa Kinga, que é de deixar cair o queixo.

 
Pequena pausa na narrativa para falar de meteorologia: não parou de chover durante todo o tempo que estivemos na Polónia. Chovia um pouco menos, chovia ainda mais, as calças estavam ensopadas até meio da perna ou até ao joelho, mas ainda assim sempre molhadas, e devo dizer que não é fácil tirar fotografias debaixo de um chapéu-de-chuva, pelo que o sightseing ficou bastante comprometido. E fomos evacuados de Auschwitz em plena visita, de salientar.

Por último, as viagens: muito longas e gélidas, com inquietas horas de sono em posições pouco anatómicas e a pele colada à napa dos assentos. No regresso o comboio teve de regressar a Cracóvia após uma hora de viagem porque a linha estava inundada, e por isso seguimos um caminho alternativo. E em ambas as viagens passámos inexplicáveis horas numa localidade checa fronteiriça, que foram a inspiração para os relatos desesperados do John (fumador em privação), compilados sob o título 'The tales of Bohumín'.

Foi um verdadeiro alívio chegar a Praga, com um atraso de 6 horas. E, estranhamente, a língua checa começa realmente a ser familiar... Até já nem o polaco era ilegível, têm francas parecenças! Estava uma vez mais de regresso a casa. E era tempo de dizer adeus ao Dr Rudolfo. Sniff sniff.

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