Fatto in Italia

Nos meses que precederam a minha vinda em Erasmus tive a sorte de ouvir conselhos sábios vindos de muitas pessoas, entre os quais se encontravam semeadas afirmações taxativas como «todos os italianos parecem maricas, vais ver». E esta era para mim uma verdade mais do que adqurida quando conheci uma das personagens mais marcantes para mim nesta experiência. E personagem é um termo intencional.

O Vasilis tinha-me falado de um rapaz italiano chamado Roberto Ferrara que ia ter aulas de Neurologia connosco, portanto quando um jovem lingrinhas, de olhos claros e cabelo loiro curtinho apareceu encostado à minha porta e disse, com um sotaque peculiarmente marcado, que se chamava Roberto, a minha reacção imediata foi perguntar-lhe «what's your surname?», ao que ele respondeu, de olhos esbugalhados, «that's not a nice way to start a conversation». Ora toma, Rita Luís, para aprenderes a ser cordial.


E o Roberto tornou-se, em muito pouco tempo, num fenómeno da residência e de Erasmus. Inclusivamente dá nome, mas não autoria, a um grupo do Facebook que é utilizado para combinar programas no nosso querido edifício 3, o que, para quem o vai conhecendo, é algo que obviamente iria acontecer. Mas passemos então às estórias.


O Roberto geralmente introduz-se com a seguinte frase: «Hi, I'm Roberto Ferrara, I'm Italian, I'm from Napolli. You have to come to Napolli!». Sempre. Ele é uma fiel e simpática caricatura dos italianos: fala com grande expressividade e sotaque muito musicado (o que é particularmente engraçado quando faz o exame neurológico aos nossos doentes), cozinha pasta (deliciosa!) a rigorosamente todas as refeições e não dispensa o seu cafézinho. Aliás, até trouxe as suas próprias cafeteira e leiteira, porque diz que tem com elas uma relação especial e que não seria a mesma coisa comprá-las cá.


Eu, o Roberto e o Vasilis temos uma orgânica muito própria. Penso que aquilo que mais nos aproxima é a capacidade que temos de rirmo-nos de nós próprios. O Vasilis é o homem dos princípios morais que teme os impostos alfandegários, eu diria que sou a parte prática da pandilha e o Roberto é a pessoa que nunca deixa escapar impune qualquer momento menos brilhante das nossas existências, especialmente da própria, tratando-nos carinhosamente por 'Greek sunshine' e 'Little girl with a lot of words', respectivamente.


Diz que quer ser oncologista - tem fortes razões pessoais - mas como neurologista teria futuro. Descobriu o "sinal de Vasilis", que consiste em pressionar com um dedo a cara do jovem grego durante 15 segundos e verificar se fica muito vermelho, altura em que se considera positivo. Foi uma descoberta fortuita, feita depois de o Vasilis ter acordado todo rosadinho de uma sesta sobre os livros de neurologia na biblioteca da faculdade. (Nos mesmos dia e circunstâncias concluiu-se que eu também tenho essa manifestação clínica e que adicionalmente apresento um ressonar muito poderoso. Vergonhoso, mas atribuível à constipação.) Claro que agora toda a gente experimenta o sinal de Vasilis no original, o que o tornou num homem muito famoso entre as raparigas.


E quis o Destino que este italiano tão intenso e irrequieto tivesse como colega de quarto um alemão do mais pacholas que alguma vez veio ao Mundo. Chama-se Benedict, mas gosta de ser tratado por Bene. Ora, o Roberto, como bom italiano que é, passa o tempo a dizer «Va bene!», por isso o alemão parece um cãozito nervoso, porque pensa que o Roberto está sempre a chamar por ele. Mas o Bene é um tipo que não é muito bafejado pela sorte: comprou um cartão pré-pago da Vodafone que não tinha o suposto saldo e que não se pode creditar e conseguiu trocar euros por coroas a um câmbio de 17, quando ele na verdade está a 25. Mas, ainda assim, para quem não cozinha e passa o dia a falar com a Natascha (a namorada ucraniana) acaba por ter a sorte de viver com um gourmet italiano que diariamente lhe deixa post-its colados na parede a pedir desculpa pelo ruído todo (e acredito que seja mesmo muito!) que fez às 6h, quando se levantou.


No entanto, a grande obra-prima do Roberto são as histórias míticas em torno do Bene. Certo dia queixava-se o italiano que preferia ter ficado no quarto com alguém mais conversador, ao que eu respondi que ele devia ser assim porque provavelmente tocava piano (é uma teoria pessoal). E a partir daí o Roberto semeou aos quatro ventos que o Bene tinha trazido o piano de Estugarda, que tocava todos os dias às 7h e que toda a gente lhe devia pedir para interpretar porque é um exímio executante mas só toca na cave por vergonha. Pobre Bene, odeia-me tanto.

Mas ninguém odeia o Roberto. É impossível, ninguém consegue devolver indiferença àquela alegria e constante sorriso. É uma benção poder conviver com ele todos os dias! E de facto, numa primeira abordagem, a etiqueta de "maricas" era para mim bastante óbvia, mas com o passar do tempo fui percebendo que estava bem longe da verdade. Outra vez.



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1 Response to "Fatto in Italia"

  1. Anónimo Says:
    24 de março de 2010 às 22:19

    Hum.....li o seu artigo com a maior atenção possível e sou levado a crer duas coisas:

    1- Saber que a Srª Autora sabe que Estórias se escreve Histórias e apenas tava a mostrar que sabe escrever dando um erro propositado não sei bem porquê.

    2- Na sua descrição de rapaz De-Tal nada vejo como referência e prova da sexualidade de rapaz De-Tal. Sou levado a concluir duas coisas:

    2.1- Ele é a melhor pessoa do mundo mas é homossexual (Atenção que não o digo com conotação negativa)e na realidade essa introdução de nada serviu.
    2.2- Ele é a melhor pessoa do mundo e a Srª Autora tem razões para afirmar que o rapaz não é homossexual. Daqui duas conclusões são elementares:

    2.2.1- Alguém lhe disse.
    2.2.2- Descobriu por si própria. As concusões que se poderiam tirar daqui estão longe de ser triviais...talvez no próximo post.

    Ahhhhh....a fazer amigos nos amigos do Mussolini...à espera que lhe oferençam um busto? Aqui para o seu camarada bastaria uma camisola de um antipoda politico, mas meu vizinho nos ideais, desse Sr.. Pena já possuir uma...assim vai ter de puxar mais pela cabeça para a minha recordação....ou como quem diz... um stažení...

    Cumprimentos do seu eterno,

    FL

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