A cavalo dado não se olha o dente

Quando Deus Nosso Senhor Jesus Cristo distribuiu os talentos culinários pelos povos mediterrânicos eu devia estar, uma vez mais, enfiada nalguma casa-de-banho, graças à minha bexiga à escala deste metro e meio de altura. Ou então devo ter-me perdido a caminho da sala onde a cerimónia de entrega ocorria. Nenhuma delas me surpreenderia.

Consequentemente sou um verdadeiro desastre no que toca a confeccionar refeições, inclusivamente desde os passos mais básicos. As latas de abertura fácil encontram sempre uma maneira de esventrar os meus dedinhos quando eu não estou olhar, o azeite do atum enlatado adora cumprimentar as minhas camisolas e o açúcar fica subitamente com umas saudades desmesuradas do chão. Portanto, após um episódio que envolvia um insonso esparguete, rogaram-me de joelhos para não voltar a brincar aos terroristas na kitchenette do nosso andar da residência. Assenti ao pedido.

O que significa que agora me alimento do que me vão dando. A sorte é que "vivo" com dois italianos e três espanhóis que adoram cozinhar. Tortilla, MUITA pasta al dente e comida tradicional búlgara, húngara ou turca têm sido os meus veículos de reposição nutricional. E não tenho passado fome!

A minha rotina diária tem envolvido uma pequena corrida pelo bairro antes do jantar, o que é óptimo para processar estes dias intensos que mais parecem ter 40 horas do que 24. São também uma forma engraçada de observar as pessoas a regressar a casa, a passear o cão ou a pastorear o cavalinho. Exactamente, o cavalinho. No outro dia observei que um senhor levava o seu bicho de volta ao apartamento (pelo menos empurrava-o arduamente para a exígua entrada do edifício) após alguns minutos no pequeno relvado das traseiras. Não me arrisco a comentar este testemunho ocular.

Segue-se o jantar "em família", que é como já nos consideramos uns aos outros aqui neste 5º andar. É sempre uma animação! Definitivamente as minhas primeiras impressões estavam erradas... As duas búlgaras não têm nada de histérico, são fenomenais; o italiano NÃO é, claramente, gay; a polaca continua a ser amorosa embora um pouco obsessiva e o meio-inglês tem um infindável charme, que lhe assenta de forma curiosa nas feições parcialmente turcas. Falta falar das minhas cada vez mais queridas húngara (a Valéria) e espanhola (a Núria) que dão provas diárias de que cá estão para o que der e vier e que só temos a aprender com aquilo que pessoal e culturalmente nos separa.

Porque, no fim de contas, penso que não somos melhores ou piores do que os outros. Somos apenas diferentes.

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