Carapaus à espanhola

A partir de hoje sou oficialmente uma estudante de Erasmus na Univerzita Karlova, ao fim de uma semana sob o estatuto de turista que preenchia o seu tempo com aulas de Neurologia e que estava alojada numa residência universitária. Doravante o meu documento de identificação será o meu cartão internacional de estudante (ISIC) e não o meu passaporte manhoso.

Uma vez mais concluo que há uma tendência neste país para colocar em postos que requerem algum polilinguismo (como o balcão para requisitar o referido cartão) pessoas que, em inglês, só sabem pedir dinheiro. Portanto, como o vocabulário é relativamente limitado, torna-se difícil, por exemplo, fazer saber à pessoa a quem se está a tirar uma fotografia que se vai disparar o flash. Resultado: todos os estudantes têm uma fotografia que capta um qualquer tique ou momento particularmente estranho ou inconveniente no seu cartão. Hilariante.


[Eu tenho, definitivamente, um problema com a requisição de documentos oficiais. Há umas semanas fiz o meu passaporte - o manhoso - na Loja do Cidadão, e a tecnologia de ponta da maquininha que recolhe os dados conseguiu  atribuir-me um bonito padrão mosqueado de borbulhas e manchinhas à pele do rosto e adicionalmente decidiu não reconhecer uma fracção da minha assinatura. «Welcome to Czech Republic, Ms. Pita Mendes Luís.»]


Uma das portas que o meu ISIC agora abre é a da menza, ou seja, da cantina universitária. Que regalo é matar a fome com aquela tigela de água quente com ervas aromáticas a boiar a que eles (essa entidade totalmente abstracta) chamam sopa, seguindo-se um prato que inclui SEMPRE batatas cozidas e um molho estranho com algum tipo de carne. Terrível, mas ainda assim comestível. Menos  para o meu amigo Vasilis, que pragueja sempre em grego com as senhoras da cantina, que lhe gritam de volta em checo e não lhe trocam o prato nem lhe põem mais molho ou batatas. Enquanto não me obrigarem a comer sopa de beterraba vinagrada, como durante a minha estadia em Varsóvia há alguns anos, não reclamarei.


Uma das coisas mais curiosas nestas refeições é a bebida que nos é servida: chá quente açucarado. Aprecio bastante, confesso, mas ainda assim é algo diferente do habitual consumo de água ou sumos frios. Mas enfim, é cultural. Os turcos acompanham a refeição com iogurte, os malucos dos russos bebem vodka ou absinto puro, e a minha coleguinha de quarto - a Clémence - bebe exclusivamente limonada ou Coca-Cola, e tem-se alimentado unicamente à base de patés enlatados que acompanha com mayonnaise.


Como a sobremesa fica para o fim, acrescento agora que descobri o sítio onde se vende uma das melhores tartes de limão do Mundo. Que delícia... Na verdade, pelas ruas de Praga encontram-se imensas padarias ou pastelarias, sempre cheias de bolos frescos e tendencialmente deliciosos (pelo menos aqueles que têm sido contemplados na minha investigação independente).


E à saída da referida pastelaria fui brindada com uma magnífica cena protagonizada por duas espanholas, senhoras de respeitável idade (superior a 55 anos). Estavam a ter um pequeno desentendimento com dois polícias checos, que seguravam veementemente uma por um braço. E tudo porque decidiram virar as costas à autoridade por não perceberem o que é que os senhores diziam... Eu também não sei o que queriam os polícias, se calhar queriam amor - todos queremos - mas claramente olhos de Bambi funcionam melhor do que agredir um agente com um mapa amachucado da cidade de Praga, acho eu. O meu último vislumbre da cena foi um dos polícias a chegar a mãozinha "ao cobre"... Credo, mas que peixarada (passe a expressão). À espanhola.

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2 Response to "Carapaus à espanhola"

  1. 3A says:
    14 de março de 2010 às 17:39

    love your blog =)

  2. Anónimo Says:
    14 de março de 2010 às 19:23

    Ahhh...é tão bom ver que um país relativamente recente conseguiu sobreviver à sua chegada. Sou sinsero que se questionado há algumas semanas apostaria numa nova fusão da Eslováquia com a República Checa por forma a, expressão mais bela, dividir o mal pelas aldeias. Claramente esse país tem mais resistência do que aparenta, ao contrário da sua resistência aos bolos e á beleza interior das pastelarias.

    Gosto de ver este blog tornado num grande andro de comentários culinários. Não me senti contente com a alusão á "maluquice" das pessoas que bebem vodca á refeição. Se não fosse a sua capacidade de reduzir a humanidade a uma frase " se calhar queriam amor - todos queremos " e nunca mais cá voltaria!

    Espero ter direito a uma resposta desta vez mas acredito que o roteiro culinário tenha o seu impacto na agenda.

    Do seu sempre fiel amigo,

    FL

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